sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

NATAL DIFERENTE

Por Arlindo Montenegro

Zé Bispo era o sacristão, irmão de Honorina a merendeira do Grupo Escolar, que fazia umas cocadas com goiaba, de lamber o beiço! Tinha a outra irmã, não lembro o nome... e a mãe, ocupando uma casa a meio caminho entre a cadeia e a Igreja. O sino avisava que eram as seis horas da manhã, quando chamava para a primeira missa. Depois avisava o meio dia. E finalmente a hora do Angelus, quando o serviço de alto falantes era ligado, para a leitura de um texto reflexivo.

Zé Bispo usava paletó naquele calor de lascar. Era respeitoso e falava baixo. Um dia, talvez, quis estudar num seminário, mas teve que ficar marcando o passo por ali mesmo, cuidando da mãe viuva e das irmãs menores. Especializou-se em fabricar tamancos e ajudar na Igreja. Ninguém tocava os sinos melhor que ele, fosse o dobrado anunciando morte, um lento tén-tén com a resposta longa e severa do sino maior: déeeennn! como um lamento. Ou o alegre repicado chamando para a missa dominical.

Arrumava os paramentos, enchia as galhetas com o vinho da missa e água, depositava a hóstia na patena e arrumava o cálice. Acendia as velas no altar, verificava o óleo na lâmpada do sacrario e tudo nos conformes, assistia à missa, reordenava cada coisa em seu lugar e fechava a sacristia, acompanhando o padre até a casa paroquial, onde tomava o desjejum. Um homem pacato.

Chegado o mês de Dezembro aquele negro discreto como um dos Reis Magos, parecia possuido por uma energia vibrante. Era o maestro da montagem do Presépio, cada ano com uma novidade. E para isto saia de casa em casa, pedia prendas aos comerciantes e convidava, organizadamente, toda a criançada para participar.

Dividia em grupos: os que iam juntar caixinhas de fósforos para semear arroz e compor o verde na paisagem, outros que eram encarregado de juntar pedrinhas para para bordear os caminhos, enquanto as meninas lavavam as imagens do presépio e restauravam a pintura. Os mais velhos e hábeis, restauravam as peças que reproduziam atividades, ferreiro, marceneiro, um monjolo e o leito do rio onde a água corria de verdade, fazendo um trajeto engenhoso que alimentava o monjolo e reiniciava o curso da correnteza.

Também havia as palmeiras, os passarinhos, a estrela guia, o anjo pendurado na abóboda celeste, os pastores com suas ovelhas e cajados e a gruta, em primeiro plano, nas cercanias do povoado onde apareciam até uns bebuns entornando o caneco ao redor de uma mesa, onde havia um pão fatiado. Mas isto ficava quase nas sombras.

Luz, alimentada por pilhas de lanterna, só mesmo aquela refletida por espelhos escondidos, iluminando a Sagrada Família. Tudo devia estar pronto na primeira semana de Dezembro. No domingo era feita a quermesse. A arrecadação, junto com as prendas doadas pelo comércio, era destinada aos mais necessitados, geralmente velhos e viúvas e gente pobre de verdade. Zé Bispo saia com o batalhão de crianças, fazendo a distribuição.

Naquele ano, a emoção foi marcante. A Missa do Galo, tradicionalmente celebrada à meia noite, com todas as famílias ali na rua, misturadas no sereno, sob a luz das estrelas, ganhou um espetáculo. Primeiro avisaram que a celebração ia começar uma hora antes. Mentira! O povo todo lá, as mulheres com seus véus, o coral ao lado direito do altar começou a entoar a "noite feliz, noite de amor" quando, de repente, se ouviu um sino tocando insistentemente no fim da rua. Todos olharam e surgiram umas tochas... La vinha Julia, filha de dona Marcia, a costureira, montada num jegue, segurando um boneco... era mesmo que ver Nossa Senhora viva, carregando o Menino Jesus.

A procissão foi chegando e cada personagem caracterizado, Manezinho tocando tres ovelhinhas, São José era o "Linguiça" com um cajado florido, foram todos se arrumando, o coro cantando até que chegaram os últimos: os Reis Magos: Gaspar era o Bosco, trazendo uns galhos de mirra; o filho de Aprigio, que matava porco, vinha de Belchior, com o cofre do ouro; e por fim Zé Bispo, de Baltazar, com um turíbulo incensando tudo e todos, risonho, feliz.

Foi o melhor Natal! Naquele ano, depois do fim da guerra. Até seu Quincas, que se dizia ateu, casado com uma italiana que todo mundo falava ser uma espiã de Mussolini, foi ver o presépio vivo de Zé Bispo,que guardou a surpresa a sete chaves. Daquele dia em diante, o milagre, os ateus passaram a frequentar as missas dominicais e fazer amizade com o povo daquele vilarejo distante de tudo, mas bem próximo do Deus menino.

Um feliz Natal para todos! Minha blogueira gratidão, lembrando que a tradição dos presentes, remonta àqueles que os Magos levaram para o encontro com o Mestre em seu berço: incenso, o perfume oferecido à divindade, mirra para curar as feridas e o ouro em reconhecimento à realeza.

Um comentário:

  1. Que recordações lindas você tem dos seus Natais! Eu vou driblando a tristeza e as saudades que esta época me dá. Lindo, lindo! E que linda infância você teve, assim, vale a pena viver!Ainda coloca esta música de arrepiar!!!!
    Abraço carinhoso da tua amiga

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