domingo, 26 de abril de 2015

A ESTRADA DE 187 MILHÕES DE DÓLARES QUE VIROU "RODOVIA DO TRÁFICO"

Gastaram US$ 7 bilhões em encomendas “emergenciais” de equipamentos, montagem e construção das instalações para abrigá-los. Fizeram acordos diretos, sem concorrência, com 21 empresas privadas — todas, atualmente, investigadas em processos por corrupção.
Levaram quatro anos para resolver a abertura da estrada de 18 quilômetros vital para transportar milhares de toneladas de peças (vasos pressurizados, torres e reatores, entre outros) entre o píer na Praia da Beira, em Itaóca, São Gonçalo, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), em Itaboraí.
Só contrataram a obra na véspera do Natal de 2011, seis meses depois da decisão, sem concorrência e também sem a completa desapropriação das terras. Pagaram US$ 63,5 milhões — custo médio de US$ 3,5 milhões por quilômetro —, e estabeleceram prazo de 16 meses.
Quase dois anos depois, apenas 20% da estrada estavam prontos. Deram à empreiteira Egesa mais oito meses e um adicional de US$ 1 milhão.
O prazo ampliado se esgotou, e a estrada não ficou pronta. Dispensaram a Egesa e contrataram a Carioca Christiani-Nielsen Engenharia, sem licitação.
UMA VIA EXPRESSA DO TRÁFICO
Pagaram mais US$ 118 milhões pelo serviço complementar contrariando recomendações do departamento jurídico da estatal: era 85% acima do valor do contrato original.
No final, custou US$ 181,5 milhões, o equivalente a US$ 10 milhões por cada um dos 18 quilômetros — mais que a autoestrada vizinha, o Arco Metropolitano.
Ficou pronta em outubro, oito anos e quatro meses depois das contratações “emergenciais” de equipamentos, montagem e construção das suas instalações em Itaboraí. A essa altura, no entanto, o complexo petroquímico já estava reduzido a uma única refinaria, parte dos equipamentos comprados se tornara inútil, o canteiro de obras paralisado e as empresas fornecedoras submetidas a múltiplos inquéritos por corrupção.
A estrada criada pela Petrobras exclusivamente para transportar equipamentos ultrapesados até o Comperj não ficou abandonada: foi tranformada em via expressa do tráfico de armas e drogas. Acabou facilitando a logística das gangues cujos negócios começam nas margens da Baía de Guanabara.
Ela integrou todas as favelas do chamado complexo do Salgueiro, no Rio, com o Jardim Catarina, em São Gonçalo. É uma área extensa, com cerca de 300 mil habitantes sem serviços básicos de Saúde, Educação e saneamento. Pela complexidade da geografia local, pontilhada por manguezais, a circulação entre uma favela e outra sempre foi difícil. Deixou de ser.
Barcos com armas e drogas continuam atracando nas praias de Itaóca, bairro-ilha de São Gonçalo, onde foi construído o píer da Praia da Beira, ponto de traslado dos equipamentos para o Comperj.
Antes, as gangues atuavam com elevada margem de risco na logística de distribuição. Percorriam o trajeto entre Itaóca e Salgueiro, mas precisavam enfrentar mato e terrenos pantanosos para chegar à planície do Jardim Catarina, onde se concentram mais de 20% da população de São Gonçalo.
EFEITO EM CASCATA NOS CONTRATOS
Com a estrada, as limitações acabaram. O caminho ficou livre entre Itaóca e o distrito de Itambi, em Itaboraí, com inúmeras possibilidades de saída para a BR-493 — “é uma rota de fuga financiada pelo poder público”, na definição de um graduado policial militar do 7º Batalhão, responsável pelo policiamento da área.
Para a Petrobras, sobraram custos adicionais decorrentes dos atrasos da construção do acesso ao Comperj. “Desencadearam reações em cadeia em outras obras”, diz o Tribunal de Contas da União em análise sobre o projeto em Itaboraí.
Os equipamentos comprados chegaram no tempo previsto, em 2011. Parte se tornou inútil porque a Petrobras decidiu redesenhar o Comperj. Substituiu a nafta pelo gás natural como insumo na produção de petroquímicos.
Fabricados sob encomenda para a operação com nafta, perderam lugar em Itaboraí e continuam armazenados, sem destino. Outra parte do material adormece há quatro anos, à espera de estradas para transporte — são grandes e ultrapesados para as rodovias convencionais.
A falta de equipamentos no canteiro do Comperj no tempo previsto provocou a suspensão de contagem de prazos em outros contratos, com adiamentos por responsabilidade da Petrobras. No conjunto, segundo o tribunal, as despesas da companhia estatal aumentaram em US$ 500 milhões apenas com tais “ineficiências, replanejamento, retrabalho e prorrogação de prazos”.
As marcas da má gerência, pontuada por episódios de corrupção, espalham-se pelo empreendimento em Itaboraí. Empresas sem capacidade técnica foram contratadas, sem concorrência, para projetos mal elaborados, e depois abandonaram as obras — contaram Marcelino Simão Tuma e Jansem Ferreira da Silva, ex-gerentes do Comperj, em depoimentos à comissão de inquérito da Petrobras no ano passado. Citaram como exemplo a falida construtora Delta, que está sob investigação.
A Delta estava cadastrada como fornecedora de estruturas metálicas. Sem experiência, sequer fora cogitada para a lista de convidados na concorrência para erguer o conjunto de melhoria da nafta petroquímica (Unidade de Hidrotratamento-Nafta).
Porém, os então diretores Paulo Roberto Costa (Abastecimento) e Renato Duque (Serviços) exigiriam sua inclusão. As regras da licitação exigiam nota mínima de 6,5 na licitação. A Delta alcançou 2,1 e, mesmo assim, foi declarada vencedora. O contrato acabou rescindido “por baixo desempenho”, segundo a comissão de inquérito da estatal.
UMA HISTÓRIA DE PERDAS SEM FIM
Ano passado, a Petrobras decidiu encolher o complexo petroquímico, transformando-o numa única refinaria para produção de combustíveis. Em dezembro, quando a operação da refinaria contava dois anos e meio de atraso, em relação ao último cronograma feito pela companhia, decidiu-se suspender a maioria dos contratos de serviços no Comperj.
As perdas de receita acumuladas até o final de 2014 com os atrasos na refinaria, de acordo com o TCU, já podem ter superado US$ 2,3 bilhões.
No conjunto, os prejuízos da Petrobras no Comperj derivam de um padrão gerencial aplicado na construção da Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Esses dois empreendimentos consumiram US$ 41,7 bilhões durante o governo Lula, que partilhou a gestão da empresa entre aliados políticos. Destacam-se entre os mais caros na indústria mundial de petróleo: foram US$ 21,6 bilhões em Itaboraí e outros US$ 20,1 bilhões em Pernambuco.
A refinaria pernambucana entrou em operação em novembro e, no limite, vai produzir 230 mil barris de óleo refinado a um custo (US$ 87 mil por barril) acima do dobro da média internacional. O Comperj está com 82% das obras concluídas e não tem prazo para começar a refinar o petróleo do pré-sal. Foi desenhado para processar 165 mil barris de petróleo/dia. Seu custo operacional (US$ 130 mil por barril) tende a superar o de Abreu e Lima.
A história dos prejuízos em Itaboraí está longe do fim. 
(José Casado, Bruno Rosa e Ramona Ordoñez/ Globo).  Colaborou Débora Diniz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário